Diadema (SP) – O uniforme dobrado sobre a cama nunca mais foi o mesmo. Para a maioria das crianças, ele representa rotina, convivência, crescimento. Para um menino autista de apenas quatro anos, tornou-se sinônimo de pânico. A simples visão daquele tecido azul-marinho passou a desencadear crises, vômitos e um choro incontido, difícil de explicar – e mais ainda, de consolar.
A criança, não verbal e diagnosticada dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), frequentava uma escola particular de alto padrão no centro de Diadema desde 2024. Até o fim de março deste ano, era possível vê-lo animado ao chegar para as aulas. Mas algo mudou de forma abrupta no dia 31/03. O que era entusiasmo virou recusa. O que era segurança virou medo.
Diante da transformação do comportamento do filho, os pais buscaram respostas. E o que encontraram os fez decidir por acionar a imprensa, a justiça e o Conselho Tutelar.
Ao cobrarem explicações da escola, os pais foram convidados a assistir a um trecho de vídeo gravado por câmeras internas. O que viram foi perturbador: em crise sensorial, o menino aparece sendo isolado das demais crianças pela auxiliar de classe, levado a uma mesa separada e pressionado a realizar uma atividade escolar. Ele resiste. Chora. Se debate. Mesmo assim, a funcionária insiste e chega a segurar seu braço com força, forçando-o a pegar uma folha. A mesa, na imagem, chega a se deslocar com o movimento brusco.
A professora titular da turma, que também aparece no vídeo, não intervém nem demonstra qualquer acolhimento. A direção, ciente do ocorrido, interrompeu a exibição da gravação no momento em que a situação mais se agravava, segundo os pais.
“Não era só o despreparo. Foi a frieza. Foi a violência emocional”, conta a mãe. Após insistência, uma segunda reunião foi marcada, com a presença da proprietária da escola. “Nos pediram desculpas e pediram que retirássemos o boletim de ocorrência. A preocupação era com a imagem da instituição, não com o nosso filho.”
Desde o episódio, o menino não consegue mais dormir direito. Apresenta medo de ficar sozinho, episódios de choro e regressão comportamental. A terapeuta que acompanha seu desenvolvimento já foi informada e acompanha o impacto do trauma.
“O que houve não foi um erro pontual. Foi um sistema falho. A escola sabia do diagnóstico, tinha o laudo em mãos, e mesmo assim deixou nosso filho desassistido num dos momentos mais vulneráveis”, desabafa o pai.
A família, em busca de justiça, já tomou todas as medidas cabíveis: boletim de ocorrência, denúncia formal ao Conselho Tutelar e solicitação de imagens completas, que foram negadas pela escola. Depois que o caso começou a circular, outros pais relataram episódios semelhantes dentro da mesma instituição.
O caso abre uma ferida que o Brasil ainda reluta em tratar com seriedade: o despreparo das escolas – públicas e privadas – em lidar com crianças neurodivergentes. Embora a legislação brasileira exija inclusão plena e a presença de profissionais qualificados, o que se vê muitas vezes são adaptações superficiais, improviso e desconhecimento.
“Não podemos aceitar que a inclusão aconteça só na matrícula. Ela tem que estar na prática, na sala de aula, no olhar do profissional. Quando isso falha, o que acontece é o que aconteceu com o nosso filho: ele foi silenciado. E o silêncio dele grita até hoje.”
O caso, agora, pode servir de alerta. Para outras famílias. Para outras escolas. Para os gestores que ainda acham que inclusão é um detalhe burocrático.
Hoje, a criança segue longe da escola. O uniforme continua guardado, escondido. A rotina da família foi desmontada e reconfigurada para tentar recuperar o equilíbrio emocional do menino. “Estamos reaprendendo a dar segurança para ele. Não é só tirar do colégio. É reconstituir confiança, reconstruir o chão emocional que foi tirado dele”, diz a mãe.
A escola foi procurada pela reportagem e até o momento não se pronunciou oficialmente. O espaço segue aberto para manifestação.
A história dessa criança é mais do que uma denúncia. É um chamado. Para educadores, escolas, autoridades e para a sociedade. Porque toda criança tem o direito de aprender – mas nenhuma criança deve pagar o preço do despreparo de quem deveria protegê-la.
Se uma criança entra em crise e a resposta é o isolamento ou a força, a falha não está nela. Está no sistema. E é urgente corrigi-lo.
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