
O Governo do Estado de São Paulo promoveu, em parceria com a Prefeitura da capital, o I Simpósio Latino-Americano de Políticas sobre Drogas, realizado nesta segunda-feira (8), no Memorial da América Latina. O encontro reuniu especialistas do Brasil, Argentina e Peru para apresentar o modelo paulista que resultou no fim das cenas abertas de uso de drogas na região central da cidade, além de debater estratégias de cuidado integral, prevenção, proteção social, segurança pública e requalificação urbana.
Com público formado por técnicos da sociedade civil, gestores municipais e estaduais, equipes da saúde, assistência social e direitos humanos, o simpósio teve como foco compartilhar evidências e experiências que embasam a reestruturação das políticas sobre drogas em São Paulo.
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Desde 2023, a Política Estadual sobre Drogas foi formalmente instituída e coordenada pelo vice-governador Felicio Ramuth, com articulação direta entre 22 secretarias estaduais e municipais por meio do Protocolo de Ações Integradas. O modelo inclui instâncias formais de planejamento e avaliação, como o Comitê Técnico-Científico, responsável por propor ações, indicadores e métricas de desempenho, um núcleo técnico da Política Estadual sobre Drogas, que acompanha e aprimora as ações em campo, além de contar com núcleo de acompanhamento de casos (NAC) e grupos de trabalho de Segurança Pública, com coordenação conjunta entre Estado e Prefeitura.

Governança integrada e abordagem humanizada
O vice-governador Felício Ramuth destacou que o avanço no enfrentamento à antiga cena aberta de uso de drogas em São Paulo só foi possível graças à sinergia entre a Prefeitura e o Governo do Estado. Segundo ele, a coordenação entre áreas como saúde, assistência social, segurança pública e habitação permitiu consolidar um plano conjunto iniciado em março de 2023. “Estamos construindo uma política pública que entende a complexidade do problema e atua em todas as frentes”, disse o vice-governador. “A parceria e integração entre as áreas do governo é fundamental não apenas para oferecer cuidado e acolhimento, mas também para fortalecer o combate ao crime organizado, que lucra com o sofrimento dessas famílias.”
A secretária de Desenvolvimento Social do Estado, Andrezza Rosalém, enfatizou o papel da integração entre Saúde, Segurança Pública e Desenvolvimento Social. “O que temos construído em São Paulo prova que é possível enfrentar o desafio das drogas com humanidade, responsabilidade e resultados concretos, advindos de evidências científicas. Esse trabalho integrado devolve dignidade a quem mais precisa e transforma, dia após dia, a realidade da região central da nossa cidade”, afirmou.
Cenas abertas: modelo paulista como referência
Há pouco mais de seis meses, as ações integradas do Estado resultaram no esvaziamento da principal cena aberta de uso de drogas do país. A socióloga Gleuda Apolinário, assessora técnica do Gabinete do Vice-Governador, detalhou como o planejamento de governança foi decisivo.
“O maior dos desafios que nós temos é como nos relacionamos com seres humanos. Essa relação profissional e humana precisa repercutir na prática. O fenômeno das cenas abertas de uso pode acontecer em qualquer território, e o que faz diferença é como você trabalha isso enquanto política pública”, explicou.
Segundo Gleuda, o modelo paulista definiu um território prioritário, integração intersetorial, transparência de dados e reorganização da rede: “Era importante que dentro do conceito de governança tivéssemos sistemas de informação e troca de dados, inclusive com a segurança pública. Toda a estratégia pensada e toda a ação realizada mostram que é possível superar o problema e que esse modelo pode ser replicado em qualquer região”.
Estruturação do cuidado: ampliação de leitos, monitoramento e gestão por evidências
Um dos pontos centrais do simpósio foi a apresentação do HUB de Cuidados em Crack e Outras Drogas, conduzido por Quirino Cordeiro. O HUB é uma das principais inovações na política sobre drogas no Estado, e articula a rede de atenção psicossocial, com triagem, grupos terapêuticos, atendimentos médicos e encaminhamento a leitos hospitalares especializados para desintoxicação. Em mais de dois anos de funcionamento, foram mais de 30 mil encaminhamentos para hospitais especializados e comunidades terapêuticas.
Cordeiro explicou o conceito de gestão resiliente aplicado aos serviços de saúde especializados no atendimento de pessoas com quadros graves relacionados ao uso de substâncias. “A ideia foi reduzir barreiras de acesso, oferecendo um leque ampliado de cuidados, especialmente para quem frequentava a antiga cena aberta da região da Luz”, afirmou.
O diretor destacou a reorganização da rede, a modernização dos serviços e o aumento expressivo da capacidade de atendimento a partir do uso de inteligência aplicada ao atendimento humanizado: “Quando existia o antigo serviço, havia 20 leitos de estabilização. Logo no início do governo, aumentamos para 40, depois para 60 e agora temos perspectiva de chegar a 80 leitos. Isso só foi possível pela produção contínua de dados”.
Segundo ele, esse monitoramento também permitiu corrigir fluxos, reduzir altas precoces e melhorar a permanência terapêutica: “No início, apenas um terço dos pacientes concluía o tratamento proposto. Hoje, cerca de dois terços finalizam o programa terapêutico. Gerar informações é fundamental para subsidiar políticas públicas efetivas”.
Quirino também reforçou o papel do HUB como porta de estabilização clínica: “Recebemos pacientes em situação de grave vulnerabilidade, estabilizamos o quadro e os encaminhamos rapidamente para hospitais ou serviços comunitários, conforme necessidade. É um entreposto de cuidado qualificado”.
Proteção social e retomada da autonomia
A diretora de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Desenvolvimento Social, Eliana Borges, apresentou os Complexos de Casas Terapêuticas e os Serviços de Acolhimento Terapêutico (SAT), pilares do novo modelo estadual. “Desenvolvemos um novo modelo de gestão com equipamentos pensados com muito cuidado, onde cada pessoa é acolhida em sua singularidade. Ver essas pessoas resgatando seus projetos de vida e suas famílias se reaproximando é o que nos move”, afirmou.
A atual gestão inaugurou 13 complexos de Casas Terapêuticas: 9 na Capital, 1 em Guarulhos, 1 em Osasco e 2 em São José do Rio Preto. O investimento de implantação foi de cerca de R$ 50 milhões. Juntas, elas têm capacidade para atender 585 pessoas.
O professor da Universidade Peruana Cayetano Heredi Fernando Salazar destacou a importância da evidência científica na prevenção do uso de drogas. Essa é uma das bases da atuação de profissionais no espaço Prevenir, destacado pela secretária de Desenvolvimento Social, Andrezza Rosalém: “O nosso cuidado também envolve o acesso a autonomia de cada um desses acolhidos em nossos serviços e se estende a prevenção a recaídas, atendimentos individuais e em grupos com famílias e toda a comunidade”, afirmou.
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Segurança pública e requalificação urbana
O simpósio ainda debateu as estratégias inovadoras de segurança pública e requalificação urbana implementadas pelo Governo de São Paulo com o apoio da Prefeitura da capital. Representantes da Polícia Militar, Polícia Civil, Guarda Civil Metropolitana e Secretaria Municipal de Subprefeituras, falaram sobre como a gestão obteve êxito no desmantelamento do ecossistema do crime organizado no território.
As autoridades de segurança pública apontam que o ponto de virada no enfrentamento ao fluxo foi a mudança de estratégia: em vez de agir apenas na cena aberta de uso, o Estado passou a desarticular a estrutura que alimentava o problema. Investigações revelaram que uma rede de hotéis, pensões e ferros-velhos funcionava como centro logístico do tráfico, depósito de drogas e espaço de comercialização, além de movimentar valores incompatíveis com suas atividades, operando como mecanismo de lavagem de dinheiro para o crime organizado.
Com o mapeamento financeiro concluído, a Polícia Civil pôde atingir diretamente o ecossistema que sustentava o fluxo. A Operação Downtown, iniciada em 2023, teve cinco fases e sua etapa mais ampla, em junho do ano passado, cumpriu 140 mandados de busca e apreensão, fechou judicialmente 28 hotéis, prendeu 15 suspeitos e bloqueou mais de R$ 200 milhões, desestruturando a engrenagem criminosa que mantinha a circulação de usuários no centro.
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